Com toda certeza,
três personagens da noite paulistana estarão presentes na manifestação contra o
governo: Bombita, Espoleta e Facamolada. Eles se deslocarão até a avenida
Paulista para ajudar a derrubar a presidenta - claro - e até ensaiaram slogans
com palavrões "da hora".
No
entanto, a missão do trio não se resumirá apenas às questões políticas. Os três
aparecerão por lá para arregimentar militantes para a causa maior: devolver a
cidade de São Paulo aos legítimos paulistanos, na defesa dos bons costumes e
das tradições.
Uma São
Paulo sem putarias. Sem pobretões. Sem nordestinos. Sem vermelhos. Sem
moradores de rua. Sem padres que defendem moradores de rua. Sem moradores que
defendem padres progressistas. Sem ruas que tenham ciclovias vermelhas. Sem
pobretões que façam putarias. Sem Malagueta, Perus e Bacanaço, malandros bobos
que conviviam com figuras marginalizadas. Sem sereno. Sem cronistas...
O plano é
ambicioso e deverá ter desdobramentos até a derrocada total dos agentes que
visam desagregar o pensamento quatrocentão. As ações já começaram. Numa
primeira etapa, os personagens do grupo focaram os petralhas (especialmente os
de origem nordestina), os imigrantes (excepcionalmente os haitianos, que roubam
nossos empregos nos postos de gasolina) e os transexuais (exclusivamente
aqueles que zombam do calvário de Jesus).
E quem são
os protagonistas desse movimento? Com base em perfis do facebook, comentários
em notícias de portais, contas do twitter, fotos do Instagram e breves relatos
de psiquiatras forenses, traçamos os perfis dos seus líderes.
Bombita
assistiu o filme Relatos Selvagens e curtiu o gesto insólito do engenheiro, que
teve o carro guinchado várias vezes. Naquele dia, o comerciante de pizzas para
viagem havia recebido uma multa por excesso de velocidade e decidiu se vingar.
Vasculhou
a internet e, no site do Sesi, deu de cara com o curso de "bombas
caseiras". Fez a inscrição, mas, no primeiro dia de aula, desistiu. As
bombas eram aquelas de confeitaria, com recheio de chocolate. Não se deu por
vencido. Foi ao Youtube e aprendeu tudo sobre artefatos explosivos.
Bombita
escolheu como alvo um varal de radares nas imediações do Museu do Ipiranga. Mas,
ao passar em frente ao Instituto Lula - ou a "Toca do Petralha", apelido
que deu para a ONG, ele mudou de ideia. O atentado seria lá mesmo. Desceu do
carro, escreveu na parede o seu nome de guerra com uma bomba de chocolate e
lançou a bomba caseira. Ou foi o contrário (escreveu com a bomba caseira e
lançou a de chocolate), não se sabe ao certo, pois a polícia paulista, sempre
cautelosa, ainda não admitiu que houve uma explosão
Espoleta
já passou dos cinquenta. Fã de Elvis Presley, trabalhou como cover do cantor em
bodas de prata, festas dos anos 60 e na Virada Gutural. Também participou de um
concurso de sósias, mas foi desclassificado, pois, de tão nervoso, errou o lado
do topete.
Sua paixão
por Elvis começou quando descobriu que o astro se divertia dando tiros nos
aparelhos de TV. Espoleta fez os seus primeiros disparos numa TV da marca
Invictus e não parou mais. Tiros de espoleta, daí veio o apelido.
Numa
noite, após assistir pela centésima vez o Seresteiro de Acapulco, decidiu
alvejar os haitianos como forma de dar um recado: não queremos ninguém do Haiti
por aqui. "Fiquem em Acapulco, a terra natal de vocês! Não roubem os
nossos empregos!", relatou uma das vítimas do incidente. Com base neste
depoimento, a polícia paulista está investigando se esta cidade continua no
México.
A paixão
de Facamolada por Milton Nascimento tem uma particularidade: a interpretação
inusitada das canções do cantor mineiro. Sabe aquele verso de Travessia,
"minha casa não é minha, e nem é meu este lugar? Ele interpretou como uma
ação do MTST, que tomou a casa do cidadão de bem e o obrigou a mudar de cidade.
"Safardanas", grita em alto e bom som sempre que ouve a música.
Já em
Milagre dos Peixes ele descobriu que a canção embute uma propaganda subliminar
que condena todos os tipos de populismo, principalmente aqueles que concedem
benefícios sociais. "Em vez de dar o peixe, ensine-os a pescar. Isso será
um milagre!"
Aliás, ele
jura que existe um parentesco entre o cantor mineiro e o Capitão Nascimento,
aquele justiceiro de Tropa de Elite.
Naquele
sábado, ele ficou de butuca na transexual famosa, que estava chegando em casa.
Ao vê-la passar, exclamou: "taí uma bela representante do Clube da
Esquina, formado por gente que fica rodando bolsinha durante a madrugada.
Guiado
pela fé cega, Facamolada foi para cima da moça armado com o estilete adquirido
na loja Armarinhos Fernando Brant. Testemunhas afirmam que, enquanto tentava
alcançar o pescoço da vítima, ele cantava: mande notícias do lado de lá, do
lado de lá...
Neste
caso, a polícia paulista agiu com rapidez. Elaborou um projeto de lei que
proíbe a comercialização de armas brancas na cidade de São Paulo.
Bem, no
evento do próximo domingo, eles farão companhia ao Nó Cego, um sujeito adepto
da justiça do Velho Oeste, que na última manifestação, enforcou os bonecos de
Lula e Dilma; cruzarão com o jornalista Coturno Noturno, cujo blog - O Soturno
- pede a permanência dos militares no poder até a próxima Copa no Brasil; e
ficarão extasiados ao topar com a Brasileirinha, vestida apenas nos pés
(tornozeleira de strass) e na cabeça, cuja faixa estampa a frase: eu...sou brasileirinha...com muito orgasmo...com muito amô-or...
Tudo
indica que o protesto vai ser imperdível!
Mas eu não
vou.
(Os
personagens citados são fictícios. Na verdade, são sujeitos ocultos, pois a
polícia paulista não foi atrás dos autores dos atentados, que são verdadeiros.
E qualquer semelhança com cidadãos que tenham contas em redes sociais é um
misto de mera coincidência com busca avançada)