quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A crônica esportiva na marca do pênalti

Para muitos, foi apenas "contato físico".

Ao leitor, deve parecer óbvio que o futebol é um esporte de contato físico, pois não há redes no meio de campo a separar os dois times. Pois essa obviedade gritante se tornou o principal argumento de alguns comentaristas esportivos para defender a tese de que não houve o pênalti na partida entre Corinthians e Cruzeiro, que resultou na vitória do dono da casa.
Justamente por ser um esporte de contato físico, há um conjunto de regras que explicitam as situações em que o lance deve correr normalmente ou deve ser apontado como falta pelo juiz.
Em linhas gerais, pode haver o contato desde que não seja usado para impedir a progressão do atacante que possa resultar em gol. Se não fosse desse jeito, carrinho no pé do adversário seria lance normal. O soco, a gravata e a cabeçada também.
Pois algo assim, tão simples de entender até pelo poste da minha rua, tem sido a grande dificuldade dos nossos comentaristas de futebol, cujo inconformismo com certas marcações dos juízes os leva a analisar alguns lances sob a ótica de uma subjetividade que o conjunto de regras rejeita claramente. E eles vão mais além. Muitas vezes, utilizam como parâmetros a postura de outros árbitros em determinadas partidas. “Falta como essa ninguém marca”. Ou “ninguém marca pênalti faltando três minutos para acabar o jogo”. Ou seja: passam a classificar como exageros as decisões de juízes que aplicam tão bem as regras.
O jogo daquele sábado, dia 13 de novembro de 2010, deixou claras as deficiências da profissão de jornalista. Assisti ao jogo no pay-per-view e fiquei surpreso quando vi vários comentaristas entrarem no clima criado pelo Cruzeiro e demonstrarem indignação com o pênalti marcado. O que está acontecendo - pensei - a imprensa golpista entrou em campo? Fui zapeando entre os canais esportivos da TV a cabo e em algumas emissoras de rádio e constatei a tragédia em que se encontra nossa crônica esportiva.
Ela não chega a ser golpista. É ruindade mesmo. Muitos comentaristas, com anos de janela, desconhecem os detalhes das regras. Alguns vestem a camisa dos seus clubes. Ou até dos seus partidos, se houver alguma vinculação política de determinado time.
Um conhecido comentarista, em viagem pela Bahia, entrou ao vivo na rádio Bandeirantes para protestar contra a marcação do juiz. E, nos dias seguintes, martelou o assunto, estimulando a polêmica para segurar a audiência. Outro jornalista, da ESPN, era o mais exaltado de todos. Mostrou, também ao vivo, toda sua revolta e indignação contra o “pênalti absurdo”. Há anos ele leva adiante uma esquisita campanha contra a marcação de pênaltis. A decisão do árbitro, para este representante da liga antipênalti, logicamente virou um prato cheio. A sua fúria foi registrada também em seu blog e em outras aparições no canal esportivo.
Mas, o mais grave de tudo isso é que tais profissionais se esquecem com frequência de que não estão na mesa de um bar, entre amigos, onde podem dizer o que vier na veneta. Falam ou escrevem para milhares. Para milhões, dependendo do meio. Podem influenciar decisivamente a opinião pública e contribuir para a desqualificação, intencional ou não, das conquistas de determinada agremiação que, a princípio, venceu por seus méritos, caso não se prove o contrário.
Tecer comentários sem se preocupar com a sua repercussão é uma das falhas mais graves do jornalismo brasileiro. Equivale a acusar sem provas. A fazer ilações sem obedecer à lógica. Nesta profissão, não cabe apenas reivindicar o acesso à liberdade de expressão. A atuação do jornalista é bem mais complexa do que tal generalidade. Mais que direitos, há deveres a serem cumpridos, que passam obrigatoriamente pela boa informação. Pela verdade. Pela real apuração dos fatos. E quando se começa a brigar com a notícia ou com o registro da imagem, a credibilidade vai ao fundo do poço.
O pênalti de sábado existiu e foi bem marcado pelo árbitro. Não era para ser polêmico. Deveria haver apenas indignação dos comentaristas pela atitude irresponsável dos dirigentes do Cruzeiro, que optaram por denunciar uma improvável mutreta para encobrir a queda de produção do time na reta final. Pois, depois desse dia, de mais um vexame da mídia brasileira, quem está na marca da cal não é a bola. É a imprensa esportiva. Ou muda e se aperfeiçoa ou vai ser chutada para a bandeirinha de escanteio. Como já aconteceu com o jornalismo político recentemente, escanteado pelas urnas nas últimas eleições.

2 comentários:

  1. Ao afirmar taxativamente que foi pênalti (mesmo vendo a foto que ilustra o texto onde o zagueiro não faz uso dos braços para empurrar o gorducho e sobe praticamente de olhos fechados), não estaria você se contradizendo ao seu texto e se igualando aos comentaristas que você mesmo critica?
    Não foi pênalti (me sinto no direito de também dar minha opinião e me igualar aos maus comentaristas) o gorducho caiu com o peso da própria barriga.

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  2. E agora, o que dizer do lance em que o goleiro Rafael pratica sobre o atacante do Vitória um autêntico replay do lance que originou o pênalti do Time da Marginal contra o Cruzeiro?
    Um foi mais pênalty que o outro, ou foram iguais? Porém um foi marcado e o outro, em lance absolutamente idêntico, não!
    Como ficam os comentaristas juramentados? E os comentaristas de buteco? Como disse um comentarista famoso por sua predileção por um time centenário do futebol: "foi falta (dentro da área) mas não foi falta para pênalti". Desliguei o rádio e fui assistir ao Animal Planet. Jegue por jegue...

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