quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A ostra, o juiz e o ascarel

   Vir a Florianópolis e não comer ostras é o mesmo que passar por Itaquera sem dar uma espiadinha nas obras do estádio do Timão. É claro que a premissa vale para quem gosta de frutos do mar e torce pelo Corinthians, naturalmente. Para os demais mortais, o exemplo pode ser outro: ficar em Floripa e não conhecer suas praias equivale a ir a Paris e não visitar a Torre Eiffel.
   Aqui, na chamada Ilha da Magia, o que mais tenho feito é pular de praia em praia sempre que o sol aparece com suas baterias carregadas. Sigo uma rotina que se repete há pelo menos uma década e, apesar de conhecer a maioria dos lugares como a palma da minha mão, há sempre uma nova linha para ser interpretada, como diria o bom quiromante. Ou como se dá em certas obras de arte: basta um novo olhar sobre o mesmo objeto para se descobrir algo diferente...
   A viagem seria perfeita se não estivesse faltando um dos principais itens do roteiro: a degustação de ostras, carro-chefe da gastronomia local. No exato momento em que maltraço estas linhas, a sua produção e comercialização estão proibidas na Grande Florianópolis, que engloba cinco municípios. É mais ou menos como chegar a Paris e se deparar com a Torre Eiffel interditada...por falta de “habite-se”!
   A história dessa proibição começou da forma mais surrealista possível. Em novembro de 2012, houve uma tentativa de furto de fios de cobre de alguns transformadores fora de uso, de propriedade da Celesc, distribuidora de energia elétrica pertencente ao governo do estado de Santa Catarina.
   Os equipamentos, de grande porte, repousavam num terreno da empresa, localizado no Sul da Ilha. O gatuno entrou na área desprotegida e, ao tentar abri-los, liberou 12 mil litros de óleo isolante, que escorreu pela terra, atingiu um córrego nas proximidades e chegou ao mar. Justamente numa região de cultivo de ostras, mariscos e berbigões.
   Na ocasião, a Celesc fez boca-de-siri sobre o episódio: não contou para ninguém. As providências foram tomadas, de forma precária, apenas em dezembro, com a drenagem do córrego. Análises laboratoriais indicaram a presença de ascarel, substância muito utilizada em equipamentos elétricos até 1981, quando o seu uso foi proibido no Brasil por ser altamente tóxico, cancerígeno e carcinogênico.
   Mas uma brecha na lei permitiu que equipamentos em operação, apesar de conter ascarel, não precisavam ser substituídos. Com certeza, ainda deve haver muitos instalados por aí, pertinho das aglomerações urbanas. Quando forem aposentados, devem ser acondicionados em locais seguros, de acordo com padrões internacionais. E bem longe das garras de gatunos ou de simples curiosos. O oposto do que fez a Celesc.
   Assim que soube do fato, o órgão de controle ambiental do estado interditou o trecho de mar possivelmente contaminado, nas proximidades de Ribeirão da Ilha. Nada de banhos, passeios de escuna ou extração de ostras na área restrita. Porém, um juiz federal pegou carona no desastre ambiental provocado pela Celesc e estendeu a proibição da maricultura a toda a Grande Florianópolis, por outro motivo: a falta de um relatório de impacto ambiental para este ramo de atividade. Ou, para efeito de comparação, a falta de “habite-se” para a Torre Eiffel.
   Ao menos os banhos de mar continuam liberados na costa catarinense. Por via das dúvidas, faço deste parágrafo uma declaração de que as minhas constantes visitas ao litoral florianopolitano causam pouco impacto ao ambiente. Recolho as latas de cerveja vazias, os copos amassados de caipirinha, os espetinhos sem o queijo coalho, os sabugos de milho, os baldinhos de plástico, as pazinhas e o velho tratorzão da Estrela que me acompanha nas praias há mais de 40 anos. O único vestígio da minha presença são as pegadas na areia, visíveis até a maré subir.
   Quanto à falta de ostras, ainda posso me virar em São Paulo, assim que retornar da viagem. Talvez em algum boteco de Itaquera que ofereça os espécimes de Cananeia, bem apreciados, ainda mais se a vista da mesa dar para o futuro estádio do Corinthians.
   Mas, o que dizer dos 500 produtores que vivem apenas da maricultura, responsáveis por 55% do abastecimento no País? Ou das dezenas de restaurantes que têm a ostra como prato principal e já estão às moscas? Ou do comprometimento da safra de 2014 se o juiz não voltar atrás? Ou do silêncio comprometedor da Celesc, do governador do estado e de parte da imprensa local, que fazem bocas-de-siri em relação ao episódio?
Bem, no final das contas: será que a Torre Eiffel está com a papelada em dia?

No pique de 2013

   Cá estamos nós ao final de mais uma prova de pedestrianismo. Uma estranha maratona, onde começamos na velocidade dos 100 metros rasos e vamos terminando como uma espécie de marcha atlética - todos trôpegos, na tentativa de cruzar a linha de chegada na hora exata. Às vezes um último recurso pode ser um salto a distância, na tentativa de abreviar o percurso.
   É também uma esquisita prova de revezamento, na qual passamos o bastão a nós mesmos, ao final das 12 badaladas que encerram o período. Dizemos: “agora vai, 2013 é seu!”
   “Ah, e capriche nas resoluções, hein? Nada de financiamentos muito longos! Procure tomar os remédios na hora certa! Conserte aquela tomadinha da lavanderia que não funciona há anos! Corte o sal! O açúcar! O álcool! A picanha! Fuja dos embutidos!    Faça o seu exame de próstata! E pare de tomar refrigerantes no bico da garrafa! É muito feio!”
_ Quer o bastão de volta? Responde o outro eu...
_ Pode ir, confio em você. Vai fundo...!
   E, no primeiro centésimo de segundo do novo ciclo, aceleramos no ritmo dos jamaicanos; sob espocar de fogos, como se fosse mais um título do Corinthians; todos de branco, para ser vistos no escuro. E damos uma boa olhada no retrovisor para gravar na memória aquilo e aqueles que não conseguiram alcançar a virada. Aprender com o passado pode ser a melhor estratégia de corrida.
   No mais, podemos trocar de raia à vontade, pois não se trata de uma competição. Jogar beijos e sorrisos aos demais participantes. Apreciar cada perlage de um bom espumante, pois dizem que as pequenas bolhas nos fazem flutuar...só não beba no gargalo, lembre-se da resoluções...
_ Mas não era para cortar o álcool? Xiii...
   Calma, calma, a maratona está apenas começando. E nesta relargada, o bafômetro é totalmente dispensável. As resoluções só entrarão em vigor no primeiro dia útil. O mais importante é o “novo eu” estar bem aquecido, com um bom plano de prova e com o espírito revigorado. E ter em mente que estaremos aqui e ali, talvez acolá, mas sempre pelas redondezas. Pois quem vai correr, e muito, não é o nosso corpo: é a pista! É a pista!
   Como já disse, estranha maratona...feliz 2013!