segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Julgamento ululante

Quis a pororoca das datas que o voto do ministro Lewandowski, pela absolvição de alguns dos acusados do "mensalão", cruzasse com o centésimo aniversário de Nelson Rodrigues. Não pude deixar de lembrar a mais famosa expressão do falecido escritor, transformada em livro de crônicas nos anos 60: O Óbvio Ululante. 
É também a expressão mais auto-explicativa do nosso vocabulário, por razões...óbvias. Pena que está sendo pouco aplicada pela imprensa e por parte da chamada "opinião pública", que acompanham o desenrolar do processo com olhos de parcialidade e desejam veementemente a condenação sumária dos acusados. Talvez porque, quando certas obviedades ululam demais, transformam-se em...incertezas! Será?
Neste processo, há certas evidências que, se fossem mais observadas, evitariam demonstrações de insensatez nas redes sociais e poupariam os respectivos fígados e outros órgãos vitais no decorrer das longas sessões que teremos pela frente. Vou enumerar:

Obviedade nº 1 - julgamento não é sinônimo de condenação. Há algo chamado Estado de Direito, um dos pilares da democracia, que garante a defesa dos acusados e, muitas vezes, a absolvição. O caso AP 470 tem 37 réus, enquadramento em diversos lícitos, processo com milhares de páginas e onze juízes, com entendimentos e posicionamentos distintos e divergentes. Uma gigantesca salada mista. Não se espante se até o ministro Joaquim Barbosa inocentar algum réu (se isso acontecer, não publique nada pejorativo contra ele, ok?)

Obviedade nº 2 - com o voto do revisor Lewandowski, muitos já disseram que o julgamento do mensalão acabará numa tremenda "pizza", apelido que se dá a um baita acordo, onde ninguém é punido. Ledo engano. Haveria "pizza" se não houvesse julgamento. As chances seriam maiores se fossem todos parar na justiça comum, com todas as possibilidades de recurso. As acusações contra o ex-governador de Brasília, Joaquim Roriz, por exemplo, foram arquivados pelo STF devido à idade avançada do réu (e você não publicou nada no Facebook contra isso? Vacilou...).

Obviedade nº 3 - Julga-se a parte e não o todo. Ou seja: não é o PT que está no banco dos réus, mas nove dos seus membros. Há membros do PTB, PP, antigo PL, publicitários e ex-dirigentes de bancos. Seria risível dizer que foram a julgamento o setor financeiro do País e o ramo de Publicidade e Propaganda. A confusão só existe como estratégia da oposição para ganhar votos nas eleições.

Obviedade nº 4 - Defender um julgamento justo não significa adesão incondicional à causa dos acusados. No calor do debate, quem defende a lisura do processo pode ser confundido como defensor dos mensaleiros. Por questão de isonomia, os mensaleiros dos outros partidos, notadamente vinculados ao PSDB de Minas Gerais, também deveriam ter o mesmo tratamento da mídia, em prol da moralidade do País. A maioria desses acusados responderá às acusações na justiça comum, pois o processo foi desmembrado.

Evidentemente, toda essa movimentação de dinheiro, feita de forma ilícita, está intimamente ligada ao financiamento de campanha política, o chamado Caixa 2. Pois, no Brasil, custa caro ser candidato com chance de vencer. Pois não há financiamento público. Pois há empresas e grupos poderosos que doam dinheiro por debaixo do pano aos candidatos  preferenciais para terem os seus interesses protegidos. Pois há um embate ideológico feroz no País, cujas armas são praticamente invisíveis a olho nu e nem tão óbvias, muito menos ululantes. Pois elas estão presentes também no Supremo Tribunal Federal. 
Esta é a parte mais difícil de entender ou de aceitar. As partes mais fáceis são aquelas obviedades apontadas.  Aceitemo-las, para que condenações ou absolvições sejam justas e se transformem em boas lições para a cidadania. Fora isso, é muita espuma, para tão pouca pororoca.

sábado, 11 de agosto de 2012

Conto olímpico


Um ex-boxeador brasileiro, Touro Moreno, 75 anos, teve 18 filhos e um único sonho: transformá-los em ídolos do seu esporte preferido. A um deles deu o nome de Yamaguchi, em homenagem ao seu ex-treinador, já falecido. Outro filho foi batizado de Esquiva – do verbo esquivar, um recurso utilizado no boxe para escapar dos golpes do adversário.  
Touro o chamou assim por uma única razão: durante os combates, os técnicos não podem dizer nada além do nome do pupilo. Dessa forma, o filho poderia ser orientado sem burlar a regra (“esquiva, esquiva”).
E de luta em luta, de treino em treino, Yamaguchi e Esquiva chegaram às Olimpíadas. Foram vencendo confrontos e ganharam medalhas para o Brasil. O primeiro já garantiu o bronze e lutará para chegar à final. O outro já foi mais adiante, a caminho do ouro. Touro Moreno, em seu casebre no interior do Espírito Santo, alheio ao valor do metal que marcará a premiação dos filhos, sobe agora num pódio imaginário, do qual jamais irá descer.
E nós, brasileiros, ocupando modesta posição no ranking geral da competição, enfim podemos dizer: não vivemos de medalhas, vivemos de histórias assim.