O
outono é a única estação civilizada. A primavera é um descontrole glandular da
Natureza. O inverno é o preço que a gente paga para ter o outono, e por isso
está perdoado. O verão é uma indignidade.
Eu
deveria ser um par de garras serrilhadas escapulindo pelo chão de mares
silenciosos, ou pelo menos um falso inglês como o Eliot. Clássicos ao pé do
fogo, um vago cachorro e cherry seco contra o catarro. Um gentleman não deve
suar, meu caro. As frutas têm suco, não um inglês. Nas colônias, os nativos
suavam por nós, e... É sempre assim. Quando chega o verão começo a me imaginar
em Londres, estocando meus tintos para o inverno. Mas é claro que não
aguentaria duas semanas como inglês sem começar a maldizer a umidade e a sonhar
com o sol.
Mas
não sou uma pessoa tropical. Minha terra preferida é o outono em qualquer
lugar. No outono as coisas se abrandam e absorvem a luz em vez de refleti-la. É
como se a Natureza etc., etc. (O verão não é uma boa estação para literatura
descritiva. Me peça o resto da frase no outono.)
Sempre
digo que a praia seria um lugar ótimo se não fossem a areia, o sol e a água
fria. É só uma frase. Gosto do mar. O diabo é que a gente sempre tem na cabeça
um banho de mar perfeito que nunca se repete. O meu aconteceu em Torres, Rio
Grande do Sul, em algum ano da década de 50. Sim, crianças, em 50 já existiam
Torres, o Oceano Atlântico e este cronista, todos bem mais jovens. O mar de
Torres estava verde como nunca mais esteve. Via-se o fundo? Via-se o fundo.
Víamos
os nossos pés, embora a água estivesse pelo nosso pescoço, e como eram jovens
os nossos pés. Havia algas no mar? Iodo, mães-d'água, siris, dejetos,
náufragos, sereias? Não, a água estava límpida como nunca mais esteve. Os
únicos objetos estranhos no mar eram os nossos pés, e como isso faz tempo. Até
que horas ficamos na água? Alguns anoiteceram dentro d’água e estariam lá até
agora se não tivessem que voltar para a cidade, se formar, fazer carreira,
casar, envelhecer, essas coisas.
Como
o cronista explica sua aversão ao verão depois de tais lembranças? É que eu não
gostava do verão. Gostava de ser mais moço.
Luís Fernando Veríssimo
Publicada no jornal "Estado de São Paulo" em 28/02/2009
Parte integrante do livro "Em algum lugar do Paraíso"