sexta-feira, 17 de abril de 2015

O Jogo da "Pegadinha"

Vamos a mais uma "pegadinha do jornalão", aquele divertido jogo em que você precisa vencer vários obstáculos colocados propositadamente numa reportagem para tentar chegar à "verdade dos fatos". Poucos conseguem. Requer prática e habilidade. Este jogo mexe com os nervos, portanto, não é recomendado para cardíacos.

O ponto de partida é o título da matéria, publicada no site G1, da Globo, no dia 13/04/2015: "Casos de dengue aumentam 240% em 2015; país tem 460,5 mil infectados". Quem o lê e para por aí, fica furioso (a) com o gover...ops, desgoverno. Claro, culpa da Dilma!

Movido (a) pelo ódio, ele (a) desliga o computador, sai atabalhoadamente da mesa, vai até a cozinha, pega uma panela velha (aquela que faz comida boa) e um antigo pau de macarrão, meio gasto de tanto acertar a cabeça do maridão (ou da esposona).

Passa pela lavanderia, tira da cesta de roupa suja uma camisa da seleção brasileira (na verdade, da Suécia, pois as cores são iguais) e corre até a varanda gourmet para fazer o seu protesto.

Fica tão histérico (a) que erra feio: veste a panela, bate na camisa com o pau de selfie usado para registrar grandes momentos e tenta encaixar o smartphone no pau de macarrão. Faz outra tentativa: veste o pau de selfie, tenta encaixar a panela na camisa e bate no smartphone com o pau de macarrão...bem, fica assim a noite toda. Está fora do jogo. Perdeu.

Outro player, mais atento, lê os primeiros parágrafos e descobre que na comparação com o mesmo período de 2013, houve uma redução de 37% nos casos. "'É comum que o número de casos de dengue oscile ao longo dos anos", explica o texto.

Ele (a) continua no jogo. O governo, afinal, não é tão culpado assim. "Mas bem que a Dilma podia renunciar", comenta. Prossegue a leitura até o quinto parágrafo. Lê, relê e começa a ficar furioso. O Acre é o estado com a maior incidência de dengue, com 882,5 casos para cada grupo de 100 mil habitantes! E quem governa o Acre? O PT. Os petralhas!

"São Paulo aparece em segundo, mas tudo por culpa dos haitianos que o Acre mandou para cá!" Não quer ler mais. Vai pra cozinha, pega a panela, joga a comida boa no lixo e...está fora do jogo. Começa a sua batucada na varanda gourmet e se assusta com um corpo que cai, vestindo a camisa da seleção da Suécia, tentando fazer selfies com um pau de macarrão.

O terceiro player passa pelo título da matéria e consegue se controlar. Afinal, muito crítico (a), precisa ter elementos para elaborar uma opinião mais "consistente". Hum...vejamos...em relação ao total de casos, São Paulo lidera, com 257.809 ocorrências...considerando que o país tem 460,5 mil infectados, mais da metade das ocorrências estão no meu Estado!

Neste momento, ele (a) está prestes a vencer o jogo. Está bem perto daquilo que poderia ser a manchete ou, no mínimo, o olho da matéria. Mas ele (a), sempre tão racional, bem discreto, daqueles que não se deixam levar pela emoção, que até ganhou o apelido de picolé de ricota em seu trabalho, dá um longo suspiro e exclama, num tom de voz adequado para o horário noturno, que "deve haver uma boa explicação".

Imediatamente, bate os olhos no oitavo parágrafo da matéria: "apesar dos dados do ministério, o governo do estado de São Paulo discorda que exista uma epidemia. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, o surto de dengue é limitado a 50% dos municípios".

- Ufa! E eu quase duvidando da capacidade administrativa do governador paulista. Preciso me policiar mais. Meses atrás, até cheguei a questionar o problema da falta de água em SP, mas, a exemplo da dengue, é um problema nacional. Culpa dessa...dessa...inepta!

Suspira de novo. Dirige-se para a varanda gourmet. Em vez de panelas, um notebook. A sirene de uma ambulância nas proximidades do condomínio não chega a incomodá-lo (a). Acessa uma rede social, conecta-se com o seu nome falso e começa a interagir com outros internautas a respeito dos assuntos do momento, com um jeito de comentar que sempre lhe rende muitas curtidas e compartilhamentos:

- Vaca, vagaba, cadeia pros larápios, forca para os corruptos, impítiman, impítiman, grrrr

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terça-feira, 7 de abril de 2015

Podemos blindar, se achar melhor...

  

O dia 23 de março de 2015 entrou para a história do jornalismo brasileiro. Nesta data, a proteção da mídia a determinado líder de um agrupamento político saiu do rol das teorias da conspiração e, graças a uma falha grotesca da Agência Reuters, materializou-se diante dos olhares atônitos dos leitores da própria agência e das empresas que utilizam os seus serviços.
   Apenas uma frase entre parênteses no final de um parágrafo, supostamente um recado do editor ao repórter, foi suficiente para revelar que a mídia brasileira e certas mídias internacionais em língua portuguesa têm lado no espectro ideológico e travam, na surdina, a batalha político-partidária que hoje divide o País, ora carregando nas tintas ao abordar denúncias de corrupção do partido da situação, em generosas suítes, ora dando pequenas notas sobre casos cabeludos da oposição, representada principalmente pelo PSDB. Até fazem denúncias, mas sem explorar os desdobramentos do fato nas edições seguintes.
   No caso da Agência Reuters, o jornalista americano Brian Winter entrevistou o ex-presidente FHC, que imputou a Lula a maior culpa pelos problemas da Petrobras. Entretanto, no sexto parágrafo, o texto aponta que um dos delatores do esquema afirmou que os pagamentos de propinas começaram em 1997, na Era FHC.
   Foi nessa altura do texto que surgiu a frase""podemos tirar, se achar melhor", que atingiu os trend topics do twitter e virou o bordão de muitas postagens no facebook.
   Mas, afinal, para quem foi o recado? Do editor para o repórter ou do repórter para o próprio FHC? Jamais saberemos a verdade. Só que, na rotina do jornalismo, é muito comum o entrevistado pedir para ler a entrevista antes de ser publicada. Também é muito comum o repórter recusar tal pedido, em nome da ética jornalística.
   A possível exceção acontece na comunicação empresarial, na publicação de veículos de uma empresa ou entidade. Será que não é disso que estamos falando, quase um house-organ do PSDB? O jornalista Brian Winter, americano, foi autor, junto com FHC, do livro "O Improvável Presidente do Brasil - Recordações" (The Accidental President of Brazil: A Memoir), que teve prefácio de Bill Clinton. Brian goza, portanto, de certa intimidade com o ex-presidente.
Seria bem "natural" que enviasse o texto a FHC para dar uma última olhada antes de publicar. Como não há provas, é preferível aceitar a versão da própria agência: falha do editor, que não muda em absolutamente nada a comprovação do espírito parcial que impera nas redações do País.


Outra blindagem revelada

   Um mês antes, no auge das denúncias da Petrobras, a diretora da Central Globo de Jornalismo,
Silvia Faria, enviou um e-mail a todos os chefes de núcleo ordenando a blindagem do ex-presidente FHC com relação à corrupção na Petrobras. Mais exatamente, em relação às mesmas declarações do delator, assinaladas no texto de Brian, como publicou o site Pragmatismo Político. Não por acaso, no dia 23 de março, o jornal O Globo reproduziu na íntegra a entrevista de FHC para a Reuters. E, também, reproduziu a gafe, no afã de blindar o tucano graúdo.

"Podemos tirar, se achar melhor..."

"Podemos tuitar, se achar melhor..."

"Podemos esquecer o que escreveu, se achar melhor..."


"Podemos dar ctrl+v, se achar melhor..."