sábado, 11 de dezembro de 2010

Guga: depois daquele domingo...

   A primeira vez que o vi jogar foi num longínquo domingo de maio de 1997, totalmente por acaso. Buscava algo interessante na programação da tevê aberta para enriquecer o meu tardio café da manhã, por volta das 11 horas. Rodei canais e fui parar na Record, que transmitia a final de um torneio de tênis na França.
Assisti aos últimos games do 3º set tentando identificar quem era o sujeito de camisa amarela, magro, cujos cabelos desgrenhados lembravam um esfregão invertido e em movimento, semelhante aos que atazanaram a vida de Mickey no desenho animado O Aprendiz de Feiticeiro.
   Pois bem: o “Mickey” da vez era Sergi Bruguera, veterano do nobre esporte, ex-campeão de Roland Garros e bem ranqueado, mas de quem nunca mais ouvi falar depois daquele dia. Vencê-lo no principal torneio no saibro acabou sendo o seu cartão de visitas para boa parte dos brasileiros, órfãos de um ídolo do esporte nas manhãs de domingo, desde a morte de Ayrton Senna.
   Até aquele instante, para a grande maioria dos cidadãos, ”Grand Slam” nada mais era do que uma espalhafatosa lambida num sorvetão de chocolate. Depois daquele domingo, o Brasil tomou conhecimento de que um catarinense, muito jovem ainda, “pilotava” como ninguém uma raquete, fosse no saibro, no cimento, na grama ou mesmo no paralelepípedo.
   Os três anos seguintes serviram para consolidá-lo entre os “tops” do planeta. Em 2000, quando se tornou o número 1 do ranking, o Brasil já havia aderido à Gugamania. Raquetes e outros acessórios venderam como água por aqui. Pegadores de bolas viraram professores da noite para o dia, ensinando os simpatizantes do esporte a dar os primeiros voleios. O Gatorade se transformou em bebida da moda nos clubes esportivos. Muitos recém-nascidos foram registrados com o nome de Wilson, já que Head não "pegava" bem. Os casos de doenças na garganta aumentaram, por causa daqueles que tentavam imitar os seus gemidos.
   De tudo o que vi nos seus 13 últimos anos de carreira, guardo na mente confrontos de mexer com os nervos (Max Myrni, no Aberto dos Estados Unidos em 2002), embates épicos (Safin e Kafelnikov em Roland Garros), feitos heróicos (vitórias sobre Sampras e Agassi no Masters Cup de Lisboa), exemplos de superação (o “passeio” que aplicou em Federer já com as dores no quadril), situações inusitadas (a dificuldade para superar um holandês com câimbras na Austrália) e, claro, a prova de que existe ressurreição: de quase moribundo diante de um americano desconhecido passou a acelerar corações no Roland Garros de 2001.
   Há dois anos, acompanhei, emocionado, a sua turnê de despedida em vários circuitos do Brasil e do mundo. Por solidariedade, até pensei em cancelar a assinatura da minha tevê a cabo assim que você tocasse na bolinha pela última vez como profissional. Afinal de contas, o tênis que se praticava naquele momento perdera a graça. Os jogos haviam se transformado numa espécie de luta-livre, onde vence quem for mais forte, mais anabolizado e tiver um monte de consoantes no sobrenome, como Davidenko, Kohlschreiber ou Djokovic. Para se ter uma ideia do nível atual do tênis, o número 1 do mundo, Federer, foi um grande “freguês” seu.
Bem, costumo ir todo ano a Floripa, no verão. Se um dia eu cruzar contigo na praia Brava, vou agradecê-lo pessoalmente por ter reproduzido em quadra os nobres valores que o esporte – sua prática ou apenas a apreciação – é capaz de proporcionar à sociedade.
Sempre foi assim desde os mais remotos tempos da humanidade: caçadas épicas ao mamute nas olimpíadas selvagens, freadas estonteantes nas corridas de bigas ou estocadas decisivas na esgrima medieval dos três mosqueteiros. Até chegar à contemporaneidade: defesas espetaculares dos grandes goleiros, tabelinhas criativas entre atacantes geniais, dribles humilhantes dos mais habilidosos, saltos triplos perfeitos, braçadas singulares, arranques imprevistos, “enterradas” acachapantes e, fundamentalmente, saber vencer e saber perder em qualquer fase da história.
   E se houvesse uma calçada da fama das grandes jogadas, um quarteirão inteiro seria coberto pelas suas deixadinhas, aces e backhands na paralela. Mas, por enquanto, seus golpes ficarão impressos na memória daqueles que tiveram o privilégio de conhecer o maior tenista brasileiro de todos os tempos, e que vão dizer às futuras gerações: eu vi Guga jogar e foi um dos melhores, dentro ou fora das quadras.
   É isso. Fico por aqui. Vá surfar à vontade, tocar o seu violão em algum luau na ilha do Campeche ou gastar todo o dinheiro que ganhou naquilo que te deixar mais feliz. Aquele abraço e “huammmmmm” para você também.

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