sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Fora de foco

(Texto produzido no dia 13 de junho de 2013, dois dias depois do 3º Ato do Movimento Passe Livre)

Quando uma manifestação popular legítima descamba para a violência e chega ao limite do ódio, é sinal de que o movimento perdeu o foco. Quando alguns manifestantes depredam sedes de partido – especialmente daquele que, desde as suas origens, sempre esteve à frente de importantes mobilizações em favor da democracia – significa que a visão ficou temporariamente turva.
Nessas horas, o bom senso recomenda posicionar a lente, a princípio, na grande angular. Para ver o lado, acima e atrás, como diz uma canção de Gilberto Gil. E captar uma série de detalhes que farão a diferença na saúde do movimento.
Servirá para reconhecer, por exemplo, as movimentações da PM para fomentar provocações, como bloquear determinadas ruas só para desviar a passeata do trajeto escolhido; ou para enxergar a infiltração de elementos estranhos à causa, que terão a missão de espalhar a culpa da parte para todo o resto do grupo; ou, ainda, para perceber que a exigência pela revogação pura e simples do aumento das tarifas não é, definitivamente, uma tentativa de abrir o diálogo com as autoridades.
Outro equívoco clássico dos manifestantes é abusar do close-up em suas ações. De tal forma que parecem focar apenas nas tarifas dos ônibus e, consequentemente, na Prefeitura de São Paulo. Intencionalmente ou não, o governador paulista está sendo poupado pelos manifestos justamente numa das áreas mais críticas de sua administração, que só perde para segurança pública e educação.
Bastaria apenas um plano americano para registrar a precariedade do Metrô no atendimento aos seus usuários. Façam um simples ensaio: tentem entrar na estação Itaquera nas primeiras horas da manhã. Ou cismem de voltar para casa às seis da tarde na Estação Sé. Todos os dias da semana. Um trabalhador normal sabe do que estou falando. Mas quem não tem esta rotina, pode duvidar dessa realidade.
Em resumo: para não queimar o filme irremediavelmente, é preciso ampliar o ângulo de visão. Para ter apoio permanente da plateia, que não só assiste, mas torce pelo sucesso do movimento, é necessário ser um pouco mais criativo. Dar asas à imaginação ao lidar com soldados treinados para arrancar lágrimas dos protagonistas por meio de bombas de efeito moral.
Com mais direção e uma boa dose de bom senso, o enredo deixará de ser um filme de ação ou uma comédia dramática, que vem fazendo a delícia da imprensa conservadora – para eles, um exemplo a não ser seguido.
Que venha o foco e teremos, afinal, um bom documentário.


Dia 20 de junho de 2013, Sétimo Ato do Movimento Passe Livre. A partir do Terceiro Ato, uma série de acontecimentos alteram o rumo do movimento. Na ordem: a PM paulista age com extremo grau de violência, sem poupar manifestantes e jornalistas. O movimento ganha corpo. Grupos de extrema-direita começam a se infiltrar nas manifestações. Os partidos de esquerda, que participaram dos primeiros atos, são repudiados. Suas bandeiras também. As redes sociais insuflam parte da sociedade. Acontecem mais depredações. Organizações como Anonymous e Blackblocs saem do anonimato. Governos estadual e municipal recuam e cancelam aumentos. Neste dia 20, bandeiras do PT são queimadas. Militantes são agredidos. Grupos de extrema-direita controlam a passeata. Nos dias seguintes, os protestos se alastram pelo País.  Parte da classe média sai às ruas para protestar contra o governo federal. Os "coxinhas" roubam a cena. Surgem os primeiros registros de morte. O alvo principal passa a ser a Copa das Confederações. O índice de popularidade da presidenta despenca. 

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