sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O último tango de cada um


Filmes de arte como O Último Tango em Paris parecem nos distanciar cada vez mais das coisas que guardamos na memória. Funcionam como uma espécie de relógio que dá pouca importância às horas, mas que marca com precisão suíça vários momentos da vida. A morte de Maria Schneider, atriz principal, é o cuco que anuncia a mim a transição do final dos anos 70 para o início dos anos 80: o primeiro emprego, o primeiro namoro sério, o abrandamento da censura que - com o perdão do trocadilho - possibilitou assistir um grande filme com Marlon Brando, dirigido pelo extraordinário e polêmico Bernardo Bertolucci.
Triste cuco, que sai da toca impulsionado pela morte de celebridades que marcaram a minha época. Traz-me a melancolia provocada pela passagem do tempo e pela sua implacabilidade. A sua regra é clara, como diria Arnaldo Cézar Coelho. E vale para todos. Vale para tudo: aparência, disposição, força física, oportunidades, esperança e um rol enorme daquilo tudo que cerca o sujeito em várias fases, até que ele pare de fazer fumacinha no espelho.
Depois do Último Tango, a cena da manteiga marcou a carreira de Maria irremediavelmente, quase da mesma forma que Psicose condenou Anthony Perkins a ser o eterno psicopata do cinema. Eu digo quase, porque ela protagonizou outro clássico do cinema de arte: Profissão repórter, de Michelangelo Antonioni, com Jack Nicholson.
Para quem não se lembra, a manteiga é o lubrificante que Brando usa para sodomizá-la. Para quem ainda fica chocado com isso, vale recordar que houve muita propaganda de manteiga pelo mundo nos anos seguintes, baseada na cena do filme. E o cuco avisa que, hoje em dia, imagens como essa são típicas da sessão da tarde ou da novela das seis, com direito a merchandising e tudo mais.
(E o que parece distante ficou tão próximo. Na época de sua exibição no Brasil, eu tinha 19 anos, era preciso elocubrar demais para compreender as motivações do personagem de Marlon Brando, que tinha 50 e se relacionou freneticamente com uma garota de 20. Hoje eu tenho 50. Agora é fácil entender certas fantasias, certos desejos e certas angústias da meia-idade, efeitos colaterais da implacabilidade do tempo. É por isso que Maria Schneider ainda habita o imaginário de muitos que viveram intensamente aquela época, com o mesmo jeitinho que tinha nos cada vez mais longínquos anos 70/80.)

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