quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A segunda morte dos Tamoios


Cones: "alta tecnologia" usada para
reduzir congestionamentos na serra.
Os Tamoios formavam um conglomerado de nações indígenas que falavam o tupi. Habitaram uma região que compreende o litoral norte paulista e o litoral sul fluminense, além da cidade do Rio de Janeiro. Foram praieiros e guerreiros, como mostra a história do Brasil. Enfrentaram os portugueses, infligiram-lhes pesadas derrotas, mas tiveram praticamente o mesmo fim dos vários grupos indígenas da era do descobrimento: a escravidão e a morte, geralmente nesta ordem.
Pois, no final dos anos 50, foram homenageados com o nome de uma estrada, que liga São José dos Campos, no Vale do Paraíba, a Caraguatatuba, situada justamente no litoral norte de São Paulo, habitat desse antigo condomínio, organizado como uma Confederação. A estrada foi batizada como Rodovia dos Tamoios.
Homenagem efêmera.  Na época em que a estrada foi construída, o volume de automóveis era baixíssimo. A população de Caraguatatuba, nos anos 60, não passava de dez mil habitantes. Paraibuna tinha menos que isso. A pista simples, portanto, atendia com folga ao trânsito da época.
A partir do final dos anos 70, o litoral norte começou a entrar no roteiro do turismo nacional, graças às suas belas praias, à especulação imobiliária e à saturação do litoral sul. E começou assim a segunda morte dos Tamoios, personificados por um caminho asfaltado que supostamente cruzava suas terras. Mais carros. Mais transporte de carga. Morte lenta, bem ao gosto dos nossos ferozes desbravadores lusitanos. Vítima da promessa não cumprida pelos governos tucanos que se sucederam no poder a partir de 1995: a duplicação da rodovia.
A rota para o litoral norte foi o meu caminho principal em vários finais de semana a partir de 1992, quando eu me hospedava com frequência na antiga pousada da Cesp, em Paraibuna. Em 1996, adquiri um apartamento em Caraguatatuba. E, após milhares de kms rodados em quase 20 anos, posso afirmar com tranquilidade que ali é a verdadeira rodovia da morte. É a verdadeira vergonha estadual.  Escapei de acidentes “por milagre”. Presenciei capotamentos, choques frontais em ultrapassagens e mortes instantâneas; ouvi relatos de atropelamento de pedestres e ciclistas. Já fiquei parado quase dez horas em véspera de feriado.
Mesmo após algumas mudanças, como a transformação do acostamento em pista de baixa velocidade e a proibição de ultrapassagens pela pista contrária em toda a sua extensão, acidentes fatais ainda são rotina na estrada.
Se um dia transitar pela Tamoios, preste atenção na quantidade de cruzes nas suas margens. Não, não são marcos de batalhas épicas na luta pela posse da ilha de Santa Cruz; são marcas da crueldade de uma estrada obsoleta e mal sinalizada, símbolos da falácia tucana em relação às estradas paulistas.
Dá para contar com calma a quantidade de reverências aos mortos, pois a velocidade geralmente é baixíssima para quem obedece às leis de trânsito: 80 km/h na pista principal e 60 km/h na secundária. Mas, cuidado: os poucos trechos de acostamento são utilizados pelos apressados nos congestionamentos constantes em domingos de calor.
A população do litoral norte e do vale do Paraíba, principal usuária da estrada, ainda crê na duplicação. Covas fez a promessa em 1994 e 1996; Serra, em 2006 (fez mais que os outros: iniciou a duplicação de algumas pontes); Alckmin se comprometeu com a duplicação em 2000. No ano passado, repetiu a dose. Seria a primeira obra do seu governo. Sua vitória foi esmagadora na região.
Mas (porém, contudo, todavia), a primeira “obra” de Alckmin foi congelar R$ 3,6 bi em obras viárias. Entre as quais, a duplicação da rodovia dos Tamoios. Estrada cada vez mais próxima ao infortúnio dos Tamoios, dizimados pelos governantes da época. De qualquer época.  Mesmo sem ter acesso a jornais, revistas, TVs, rádios e internet, ao menos eles se defendiam das promessas vãs.  Mereciam homenagem melhor.

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