sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

"Desparabéns", São Paulo

Foto: alternativapost
Cine Belas Artes nos anos 80. Ops, será que aquele sob a marquise não sou eu?
No mês em que comemora o seu 457° aniversário, a cidade de São Paulo ganha um "despresente", desembrulhado pela imprensa paulistana nos últimos dias: o anúncio do fim do cine Belas Artes. Um verdadeiro presente ao contrário a poucos dias da festa. O remetente? Que tal a Rainha de Copas, numa crise de ciúme do Chapeleiro Maluco, que universalizou o desaniversário (comemoração de todos os dias do ano, exceto o dia de aniversário)?
Talvez a megera tenha saído da tela de cinema - a la Woody Allen - durante a recente exibição de Alice no País das Maravilhas na versão de Tim Burton. 
E foi dar num desses shoppings, que instalam vinte salas de cinema onde antes caberiam apenas um Majestic.
Ela pensou em gritar "cortem-lhe as cabeças" ao observar os espectadores, mas ficou enfeitiçada quando se deparou com tantas lojas e suas vitrines multicoloridas; chocou-se com os preços vigentes no natal e decidiu evitar cenas de violência - iria apenas “despresentear” os paulistanos.
Pura represália. Afinal, o Belas Artes, ao que consta, jamais exibiu a versão em desenho animado de Alice, apesar de estar situado nas proximidades da passagem subterrânea sob a Rua da Consolação, que lembra vagamente o buraco por onde entrou a personagem de Lewis Carroll.
E mais: alguns transeuntes do estreito túnel, em certas horas de algumas noites lá pelos idos dos anos 80, eram bem parecidos com o Chapeleiro Maluco, Tweedle-Dee e Tweedle-Dum, ou Absolem, a Lagarta, e o Coelho Branco.
Pois bem. Antes que me cortem definitivamente a cabeça e confisquem os 51 terabytes de memória que estão acoplados ao crânio, devo lembrá-lo, leitor, que frequentei muito o cine Belas Artes e o seu entorno. Mas, tranquilize-se: eu não estava entre os amigos da Alice citados no parágrafo anterior, assim como o Brasil da época não era propriamente o País das Maravilhas.
Se fosse para me travestir em algum personagem que tenha desfilado na telona do cinema, escolheria Bernard (Gérard Depardieu) em "A mulher do Lado", o último grande filme de François Truffaut. Por quê? Ora, a atriz principal era Fanny Ardent, esposa do diretor.  E o enredo falava de dois amantes que se reencontram etc. Faria de tudo para deixar Truffaut com ciúme, já que o meu talento para dirigir filmes é quase nulo.
Ou então, eu seria Charles Serking, interpretado por Ben Gazzara em "A Crônica do Amor Louco", obra-prima do diretor Marco Ferreri, baseado em livro de Charles Bukowski. Imagine a cena: contracenar com Ornella Muti (Cass) no auge da beleza. No papel de uma prostituta autodestrutiva. No ambiente lascivo dos anos 60. Hum...
Lá pelas tantas, iria levá-la ao Bar Riviera, do outro lado da rua, na esquina. Tomar todas, discutir a relação, falar de política e todo aquele papo-cabeça que na época funcionava como preâmbulo para uma longa noite de amor em algum hotelzinho da região. Só não deixaria Cass chegar muito perto da janela.
E quem mais eu seria entre os personagens dos tantos filmes que assisti ali? Dos filmes proibidos durantes anos pela ditadura militar, quase ninguém. "Z" é uma matança sem fim. A história de "Johnny Vai à Guerra" comove, não vale à pena brincar com coisa tão séria.  Do "Quinteto Irreverente"? Seria quase todos, menos o agiota.
Talvez encarnasse Sam Lowry (Jonathan Price), em "Brazil, o Filme", de Terry Gilliam. Isso mesmo, o personagem que sonha com uma linda mulher em meio à opressão num país imaginário comandado por incompetentes burocratas, numa versão moderna de Admirável Mundo Novo.
Nesse hipotético lugar, cinemas de rua dariam lugar a lojas de departamento e a templos evangélicos num piscar de olhos, sem ressentimentos. Nessa localidade, as Rainhas de Copas de plantão cortariam as cabeças pensantes, sem a menor cerimônia. Nessa região, seria proibido desfilar pelas ruas como Alice, Chapeleiro Maluco, Tweedle-Dee, Tweedle-Dum, Absolem, a Lagarta, e Coelho Branco.
Mas eu acho que não existe esse lugar. É pura ficção, como tudo o que assisti num certo imóvel da Rua da Consolação.
Pensando bem, acho até que jamais existiu cinema em alguma rua de São Paulo. Muito menos Belas Artes, Bijou, Majestic, Brigadeiro, Bruni Brás, Universo, Comodoro e tantos outros. Não passam de lendas urbanas, assim como todas as histórias que os envolvem. E, por ocasião do aniversário de São Paulo, deixo registrados os meus "desparabéns". Aqui jorra cada vez mais "desprogresso", a olhos vistos.

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