quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Pacatos e incautos

Quem faz bolo sabe que, ao menor descuido, ele pode “embatumar”. Se exagerar na batida da massa, desanda. Se passar do ponto na hora de assar, queima. Abrir o forno para dar uma espiadinha pode ser fatal. Ou seja, há limites a serem obedecidos para que o bolo caia no agrado dos que irão comê-lo.
Eu não sou confeiteiro. Não sou apreciador de bolos, principalmente aqueles que ora estão muito doces, ora pouco recheados. Sou um ser político. Como todos. Como os que trabalham na confeitaria. Como os que se postam próximos ao balcão: de um lado, clientes; do outro, atendentes.
Feitas as apresentações, vou agora ao que me interessa – um pouco além de um simples comentário sobre culinária. Não muito longe, pois pretendo falar sobre limites. Os limites do bom senso. Os limites da razoabilidade. Ou daquela tênue linha que, se rompida, pode acionar toda uma engrenagem escondida atrás de uma grande pedra, como nos desenhos animados, estilo “gato e rato”. Bum!
A doença do ex-presidente Lula, ou a reação dos que se julgam seus inimigos, esgarçou a corda tecida com muito esforço a partir da redemocratização do País. Por pouco não houve invasão à fronteira do irracional, habitada pelos mais obscuros sentimentos embutidos na alma do ser. Quando afloram, cegam. Quando vêm à tona, levam à surdez.
A história nos mostra bem isso. O nazismo, o fascismo e outros “ismos” são exemplos. Nossos anos de chumbo ainda latejam. Os torturadores. Os delatores. Os financiadores da tortura. Não fosse pelo chamamento na defesa da pátria - como estratégia de luta - seriam “pacatos cidadãos, da civilização,” como canta o Skank.
Pois de seres pacatos o inferno está cheio, em companhia dos incautos. No Brasil, pacatos e incautos ainda carregam bandeiras - que não são as suas - como estratégia de luta da elite, não mais para buscar subversivos embaixo das camas, mas nas disputas eleitorais das mais tacanhas, como a de 2010. Lembremos: um bolo indigesto feito a partir de ingredientes como aborto, bolinha de papel, bispos retrógrados e muito preconceito.
Tudo regado a ódio extra-virgem, de melhor qualidade, imune à biodegradação que o resultado das urnas deveria trazer. Nas redes sociais, ainda encontramos pedidos para afogar nordestinos; nas avenidas paulistas, lâmpadas fluorescentes continuam pairando sobre as cabeças de homossexuais. Tivemos recentemente a ojeriza à "gente diferenciada" que poderia invadir o bairro paulistano de Higienópolis, caso fosse instalada ali uma estação do Metrô. E agora, agoríssimo, presenciamos o escárnio de parcelas da classe média diante da doença grave do ex-presidente.
Para se ter noção exata da selvageria, a recomendação a Lula para entrar na fila do SUS foi a mais leve, perto de outras, bem sórdidas, que deveriam se tornar impublicáveis fosse o Brasil um pouco mais severo nos casos de mau uso das liberdades que temos para nos expressar (e que custou tão caro a tanta gente!).
Foram tantas, que a criatura assustou demais o criador. O bolo estava começando a desandar. A linha tênue ficou tensionada. E, mais que depressa, jornais e jornalistas conservadores se descolaram das suas crias, deletando mensagens abusivas em suas páginas da internet e desejando pronto restabelecimento a Lula, para que pudessem continuar o embate no campo das ideias. Mesma linha adotada por lideranças da oposição, que faziam questão de ensinar a diferença entre inimigos e adversários.
Em suma. Os aprendizes de Dr. Frankenstein correram para a fronteira que determina os limites entre a razão e a barbárie. Entre a baderna e a governabilidade. Entre as ideologias. E colocaram seus panos quentes antes que se iniciasse a contagem de quem tem mais garrafas vazias para vender, talvez numa correlação de forças diferente de 40 anos atrás.
No mínimo, poderia haver mais facilidades para se aprovar uma nova CPMF, já que há tantos bolsos polpudos preocupados com o SUS. Ou fazer avançar os projetos de regulação da mídia brasileira, a mola propulsora dos ataques preconceituosos que campeiam principalmente em território paulista.
Pois bem, pacatos e incautos cidadãos. Voltem para seus automóveis reluzentes, para seus ipads e para suas quinquilharias importadas caso não queiram entender a política como ela é de fato, e não como está sendo divulgada pelos senhores dos meios de comunicação. Estratégia eleitoral...bolo...massa de manobra...tudo muito bem desenhadinho, para mostrar que há limites a serem respeitados mesmo quando apenas se deseja levar uma vida na base do “pão-de-ló”.

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