terça-feira, 8 de novembro de 2011

Eu e meus botões

Eu, cá com os botões do meu colete a prova de balas, discuto se é jornalismo acompanhar policiais na caça a traficantes nos morros do Rio de Janeiro, ou em qualquer morro do Brasil. Sim, argumento, se há uma pauta como essa, destinada a mostrar a eficiência da polícia em suas incursões na senda do crime, é, sim, jornalismo. Mesmo que a reportagem tenha um ângulo de abordagem diferente disso, continua sendo jornalismo.
Digo: “há, claro, a evidente possibilidade de edições sensacionalistas alavancarem a audiência da TV, elevarem o índice de aprovação do governo estadual e, se a sorte ajudar, captarem algo diferente do normal, como a rendição dos traficantes ou uma execução sumária. Aí, será prêmio de reportagem na certa”.
Mas, quais são as chances reais de ocorrer fatos inusitados numa ação que se transformou em rotina no Rio de Janeiro, rebatem os botões. “Tão corriqueira que a cobertura jornalística das ações policiais sempre acontecia num clima descontraído, como apontou o noticiário de hoje”, complementam.
“Porque então não usar imagens de arquivo? É tudo sempre tão igual”, questiona um zíper, costurado na altura do peito. Evidentemente, o colete como um todo tenta se defender das acusações de fragilidade no episódio que resultou na morte do jornalista Gelson Domingos, alvejado por um tiro de fuzil, numa troca de tiros entre a polícia e uma facção na favela de Antares.
Pela manhã, uma emissora paulista escancarou o problema ao colocar a eficácia do objeto de proteção em debate. No final da tarde, o sindicato da categoria apontou que o modelo utilizado não era apropriado para absorver tiros de fuzil. Poderá ser aberta uma sindicância para se descobrir porque o colete não atuou na hora mais necessária. Setores da oposição pensam em convocar o Inmetro, órgão do governo federal, para dar explicações ao Senado sobre os seus métodos de trabalho. Polícia e TV Bandeirantes se eximem de toda e qualquer responsabilidade com o ocorrido.
“Não somos do ramo de comunicação”, continuam os botões. “Nosso negócio é salvar vidas, independentemente de quem nos vista, mas achamos que isso não é 'bem" jornalismo, não. É...shownalismo. Isso mesmo, shownalismo.  Nada que não tenha sido visto antes, mas que assume ares de novidade quando é transmitido em horário nobre, numa espécie de reality-show. Em vez dos Bebebês, os Upepês”.
Pondero que nós jornalistas, temos papel relevante na sociedade: mantê-la bem informada, com isenção e qualidade, colaborando para a sua transformação. Como bons profissionais, cumprimos obrigações contratuais ao aceitarmos reportagens como essas, mesmo que possam contrariar nossas consciências.
“Vendem sua força de trabalho, mas não controlam o resultado disso”, afirmou um velcro que parecia alheio à discussão. “O fato é que a reportagem frustrada rendeu inesperada audiência, bem superior à que alcançaria se houvesse êxito na ação. Afinal, as últimas imagens de Gelson, no momento de sua morte, estão nos portais da internet do mundo inteiro, nas tevês de todo o País, levando aos espectadores o vício por cenas cada vez mais mórbidas”.
“Uma coisa é cobrir guerras, golpes e revoluções, que por mais violentos que sejam, estão sujeitos a tratados internacionais para preservar a vida dos jornalistas. Outra coisa é a mídia tentar transformar uma simples perseguição a traficantes numa batalha épica, por questões meramente mercadológicas. Nós temos que repensar a estrutura dos próximos coletes a prova de balas, mas vocês têm que repensar o futuro da profissão”, disparou.
Bem, já não há mais tempo para prolongar a conversa, avisa-me uma microcâmera instalada em minha sobrancelha esquerda. Visto o colete (sob seus protestos), guardo no bolso mais alguns apetrechos tecnológicos e parto para outra missão. Desta vez, fui escalado para desvendar as denúncias de abusos sexuais a menores em bailes “funk” no Complexo do Alemão. O tema é bastante familiar, mas tentarei descobrir algo inusitado. Vamos ver no que vai dar.

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