quinta-feira, 3 de março de 2011

Os culpados

- Vamos lá, vamos lá. O que você tem a dizer sobre esses alagamentos, enchentes, deslizamentos de terra e congestionamentos em São Paulo nos últimos meses?
- Tudo bem doutor. Admito. Exagerei um pouco na dose. Mas foi o que a natureza combinou comigo: fazer crescer as plantinhas, encher os reservatórios de água...
- Por aqui só tem cimento, não tá vendo? Até as margens do Tietê são de concreto, pô!  Por sua causa, nosso governador teve de abrir as comportas de algumas represas. Inundou cidades. Perdemos alguns peixes. Água demais atrapalha. Não precisamos de chuvas como você! Outros lugares, talvez...onde tem o Bolsa Família...
- Não fiz nada sozinho, doutor. Aliás, sou apenas o meio, não o fim. Sou a bala no tambor, não a arma. Sou apenas a bola do futebol, prevalece a vontade do jogador. Que tal o esperma de uma poderosa ejaculação? E, de mais a mais, apenas sigo ordens, como Vossa Excelência. Já as nuvens...
- Arrá, estamos chegando mais perto dos culpados! Dê os nomes. Dê os nomes.
- Elas se formam do nada. O céu está azulzinho, mas repentinamente, as manchas cinzentas começam a encobrir a cidade. Ficam alvoroçadas, carregam muita carga elétrica e me projetam em direção ao solo. Às vezes eu, às vezes Granizo, um primo distante. Cumulus Nimbus. Stratus Cumulus. Nimbus Stratus. Parecem nomes de algum ditador do Oriente Médio ou de Imperador Romano. Sinistro. Mas são nuvens passageiras, que com o vento se vão...
- Escrivão, mande entrar esse tal de “coronel” Nimbus....ou serão capitão Nemo? Hushuaiashuia*. Peça para secar os pés no tapete antes de entrar na sala. E convoque para depor o Hermes Aquino. Acho que ele esconde alguma informação sobre a ação das nuvens.
...
- Então, o que tem a dizer? Qual é o seu grau de envolvimento com as catástrofes paulistas? Falo dos fenômenos naturais. Não dos governantes...
- Bem. Confesso que as chuvas são geradas em meu interior. Nessa época do ano rola uma química estranha, tá ligado? Outro dia passei por um médico e ele falou que eu era produto do ambiente em que fui criado, mano. Citou uma tal de Zona de Convergência do Atlântico Sul. Ela começa na Amazônia e termina no oceano, brou.
- Ah, eu já desconfiava, sentia cheiro de lenocínio no ar. De repente estamos tratando de uma rede de tráfico internacional de mulheres. E de drogas. A chuva intensa acelera o crescimento de “certas plantinhas” alucinógenas. A colheita e o processamento da erva coincidem com o carnaval. E vira uma suruba sem tamanho. Tá tudo batendo.
- Doutor...não esqueça de El Niño, La Niña...eles também provocam tempestades. Tanto aqui, quanto na Indonésia.
- Datilografe, datilografe, escrivão. Pe-do-fi-li-a. Estou chocado. Afe. O crime organizado não tem limites. Mande investigar já os sites de previsão do tempo. Peça aos nossos agentes para decodificar a linguagem cifrada de “certos” metereologistas. Prenda quem arquivou no computador e compartilhou fotos e imagens do satélite. Fale para o senador Azeredo acelerar a tramitação do projeto de controle da Internet. Ah, não esqueça de chamar a Rede Globo para uma entrevista exclusiva.  A pauta: delegado desvenda os crimes relacionados às enchentes. E aponta os culpados. Quanto a vocês, estão presos para averiguação. Leve-os para o tanque.
- Relaxe, doutor. Somos inocentes. São as águas de março fechando o verão...
- Geeeente! Mas isso já é formação de quadrilha! Quero todos os nomes! Escrivão, registra aí, já temos mais um: onde eu encontro esse tal de Antonio Carlos Jobim?

*Nota do editor: Hushuaiashuia é sinônimo de risos nas redes sociais. Não sei porquê. Ninguém ri assim.

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