sexta-feira, 18 de março de 2011

O futebol e as variantes do verbo “ser”

Diálogo recente na Vila Belmiro:
- Se fosse o Pelé, ele me daria autógrafo - reclama o torcedor santista, diante da negativa de Paulo Ganso em lhe atender o pedido.
- Pelé “já era” – decretou um dos assessores do jogador, pouco antes de ir embora.
E não é só o Pelé, caro leitor. Vamos admitir: Rivelino “já era”, Tostão “já era”, Sócrates “já era”, Zico, Maradona, enfim, todo o futebol praticado até meados dos anos 80...”já era”.
O que “já é” são esses monstrengos que ocupam atualmente os nossos gramados, com cabeças de bagre, pernas de pau e mãos de alface (no caso dos goleiros).
Quando aparece alguém, assim, acima da média, é tratado como semideus pela mídia, por cartolas, empresários, patrocinadores e por muitos torcedores, geralmente mais jovens, que não têm parâmetro sobre o que é ser craque de bola.
Testemunha ocular de boa parte do futebol brasileiro jogado dos anos 60 em diante, digo que a maioria dos nossos atletas da atualidade teriam que pagar para ver treino dos velhos ídolos. E sairiam admirados com a quantidade de chápeus, bicicletas, rolinhos, elásticos e toques de calcanhar que aconteciam em campo.
Naquela época, a bola encharcava em campo molhado, não havia camisas dry-fit, às vezes um prego entrava para dentro da chuteira e não havia cartão amarelo para proteger os craques das entradas violentas. E mesmo assim, em doze anos, o Brasil levou três copas do mundo, sendo que, em duas finais (58 e 70), venceu por goleada. Coincidência, não é mesmo? Tudo isso aconteceu na "Era Pelé" (ou Era Garrincha, Era Rivelino, Era Vavá, Era Gérson e por aí vai).
Ainda acompanho o futebol na atualidade, pois, apesar da mediocridade geral, o que mais vale é a camisa que os atletas vestem, em defesa de clubes de tradições muitas vezes centenárias.
Fica como consolo o fato de que algumas sombras sempre perseguirão os jovens ídolos. Quando Neymar fizer um golaço retumbante, daqueles de entrar com bola e tudo depois de fintar o goleiro, sempre haverá quem diga que foi um gol de Pelé; quando Ganso der um precioso passe de calcanhar, sempre haverá alguém para falar que foi uma jogada "à la Sócrates"; ou, se usar o drible do “elástico”, certamente será comparado a Rivelino.
Talvez, nesse momento, não fiquem claras à nova safra de jogadores de nível de seleção as variantes do verbo “ser”, tantas são as suas ocupações afora jogar futebol.  Mas o dia em que cair a ficha, se cair, e virarem apenas verbetes na Wikipédia, se virarem, aí poderemos dizer que aquela oportunidade de entrar para o rol dos grandes esportistas de todos os tempos...“já foi”.

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