sábado, 8 de agosto de 2015

Sartori, Haddad, reeleições e coligações



O desastre administrativo que desponta no horizonte do Rio Grande do Sul, graças às lambanças do governador José Ivo Sartori, é um bom ponto de partida para fazermos uma análise sobre o tema reeleição. Em 2016, tudo indica que as eleições municipais serão realizadas num ambiente de profunda crise política e econômica.

Em oito meses de mandato, Sartori tomou decisões polêmicas, como parcelar os salários dos servidores públicos (que deve ser proibido pelo STF) e aplicar calotes em fornecedores e no governo federal; mas, ao mesmo tempo, aumentou o próprio salário e dos seus secretários e criou vários cargos de confiança para serem ocupados pelos seus aliados.

Cabe lembrar que, na eleição de 2014, enquanto Tarso Genro e Ana Amélia se digladiavam na disputa pelo governo do estado do RS, o "Gringo" permaneceu por um bom tempo em terceiro lugar nas pesquisas eleitorais.

Ficou ali, quietinho, sem atacar e ser atacado. Na reta final do primeiro turno, ultrapassou seus adversários. Sob o slogan de que o seu partido é o Rio Grande, venceu o segundo turno com folga. Sua principal marca foi a sinceridade: sempre disse que não sabia o que iria fazer.

Eu costumo dizer que o povo gaúcho, na questão política, é igual ao trânsito de Porto Alegre, principalmente para quem não conhece a cidade. Errou a entrada, não há um retorno nas proximidades. Para voltar ao ponto em que estava, o motorista tem que dar uma volta imensa...

Em todas as eleições para governador após a redemocratização, prevaleceu a tradição de não reeleger o atual mandatário do cargo. Não há uma segunda chance para quem erra. E, a julgar pelos resultados das urnas, todos erraram, na opinião da maioria do eleitorado gaúcho!

Vendo de longe, Tarso Genro, que tentou a reeleição, fez um ótimo governo. Foi austero, deu muita atenção ao interior do estado, realizou melhorias na educação e na segurança pública. Durante as manifestações de junho de 2013, sua principal arma foi o diálogo aberto, que resultou na elevação do seu índice de aprovação.

Só que foi relativamente duro com os professores estaduais. Em quatro anos, concedeu 50% de aumento para a categoria, mas se recusou a adotar o piso nacional. Talvez esteja aí uma das razões de ter perdido para Sartori.

É claro, somam-se a isso problemas de comunicação com a sociedade, disputas internas e a necessidade de se aliar a setores conservadores para governar, que, se ajuda por um lado, dando maioria na Assembleia, atrapalha por outro, pois há maior dificuldade para implantar o modo petista de governar em regiões reconhecidamente conservadoras, comandadas por aliados de direita.

Na verdade, alianças conservadoras são remédios que tratam os sintomas e mascaram os verdadeiros problemas. Têm prazo de validade, como podemos observar nas relações entre o governo federal e os atuais aliados.

Obviamente, a mídia gaúcha também contribuiu para a derrota ao estigmatizar a sigla partidária. Entretanto, sua força é apenas relativa, bem menor do que em SP. Alckmin, se tivesse governado o Rio Grande, já estaria morto e enterrado politicamente, como Yeda Crusius.

A cidade de São Paulo também criou a sua tradição, um tanto esquisita:  o esquema dois por um. Para cada administração progressista, seguem duas conservadoras - ou por reeleição (Kassab) ou pela eleição do sucessor (Maluf-Pitta). Noutras palavras: a esquerda não emplaca reeleição; mas a direita emplaca.

No primeiro mandato, prevalece a ilusão de um bom governo, criado com o auxílio das forças conservadoras que controlam a mídia e parte da sociedade. Mas, no segundo mandato, o desgaste é enorme, pois os conservadores não conseguem mais esconder o fiasco ao lidar com os problemas sociais da grande metrópole.

A julgar apenas pela "tradição", Haddad parece que está em apuros. Pesquisa recente o coloca como o quarto colocado, atrás de nomes como Datena, Russomano e Marta Suplicy. Entretanto, é prematuro arriscar um palpite, ou dizer que ele já perdeu. Lembro  que, em 2012, ele era considerado um azarão e bateu José Serra no segundo turno. Acho possível ele surpreender novamente. Basta ajustar a rota e ouvir um pouco mais a sociedade paulistana.

Um problema da atual administração petista é a obsessão de Haddad em regulamentar as vias públicas a um ano das eleições. Tema desgastante, que tira o brilho de importantes conquistas, como ciclovias e faixas de ônibus, e que poderia ser adiado para o início de um próximo governo, por exemplo. E, convenhamos: esse é o tipo de ação que não tem nada de progressista, ou de socialista ou "de esquerda". Tanto que o PSD comemora a "continuidade do programa iniciado por Kassab". 

Numa reeleição, acho importante avaliar objetivamente os riscos que oferecem certas decisões polêmicas, que grudam no governante e não saem nem com aguarrás.

Na Capital, a coligação do PT com partidos conservadores em nome da governabilidade tem forçado a administração a indicar subprefeitos apadrinhados por políticos avessos à participação popular e acostumados a priorizar currais eleitorais em detrimento de regiões carentes. Podemos medir o tamanho da encrenca ao observar que o atual secretário das Subprefeituras é Luiz Antonio de Medeiros.

Dessa forma, a periferia fica à mercê de vereadores que barganham o voto em troca de melhorias. Há mais dificuldade para a aprovação de pequenas obras, que geralmente são preteridas, pois o "cobertor é curto". Com o orçamento da região apertado, só vingam reformas de interesse do chamado "vereador do bairro".

Nessas situações, o PT costuma apostar em grandes projetos para permanecer no poder. Foi assim em 2004 com Marta Suplicy, que jogou suas fichas na construção dos CEUs e na implantação do bilhete único. Porém, a adoção das taxas de lixo e de iluminação pública (ideias do tucano João Sayad, secretário de Finanças) foram usadas pelos conservadores para criar o apelido "Martaxa", que a perseguiu durante o seu mandato.

Na gestão de Marta, a periferia também passou por dificuldades devido à falta de agilidade de alguns subprefeitos em atender as demandas solicitadas. Ela começou a perder a eleição aí. O problema foi tão grave que, no segundo turno, aconteceram intervenções brancas em algumas subprefeituras que não funcionavam a contento.

Já em Porto Alegre, apesar do seu trânsito, que não perdoa o desavisado, o eleitor é mais complacente com os prefeitos. O histórico de reeleições é extenso.  O atual, Fortunatti, foi reeleito. O anterior, Fogaça, também.

Já o PT permaneceu à frente da Prefeitura durante 16 anos, período em que apresentou uma novidade ao País: o Orçamento Participativo (OP), um dos poucos locais em que foi implantado de fato e não para "inglês" ver. O sucesso também se deveu à Frente Popular, coligação de partidos progressistas que se manteve sólida por quatro eleições.

As disputas internas, as desavenças entre partidos de esquerda e a estratégia dos adversários de transformar o OP em patrimônio da cidade, tirando-o dos braços do PT, fizeram o partido definhar politicamente na capital gaúcha (não é à toa que a oposição tenta transformar o Bolsa Família em política de Estado. Sinaliza aos seus beneficiários que o programa será mantido, independente dos resultados eleitorais).

Entretanto, apesar das atuais dificuldades do partido na Capital gaúcha, o "case" de sucesso das administrações petistas em quatro mandatos pode servir de exemplo para que Haddad e o PT paulistano possam sonhar com futuras reeleições.

Voltando a Sartori, acho que ele bateu um recorde. Seu governo se desmanchou com apenas oito meses de mandato. Aliás, começou a derreter em plena campanha eleitoral, ao fazer uma brincadeira com o piso dos professores (querem piso? Vá à Tumelero. Lá tem piso bom). Pelo visto, não era apenas uma piada. Tratava-se de projeto de governo. Aparentemente, ele não terá a menor possibilidade de se eleger. Tudo indica que, em 2018, a tradição será mantida.

Só espero que o Gringo, do PMDB, não desmanche também o Rio Grande do Sul, uma "saga" iniciada por Antonio Britto, do mesmo partido, que privatizou serviços públicos importantes. Na cartilha neoliberal do atual governador, constam privatizações, aumento de taxas e impostos, elevação das tarifas de pedágio e até a cobrança de IPVA para carros com mais de dez anos de uso.

Superdimensionar a crise econômica do Estado pode ser a estratégia para convencer a opinião pública sobre a necessidade de implantar um programa de desestatização que, antes de ser aplicada, deve ir a plebiscito, segundo lei estadual.

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