sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Nelson Rodrigues, 1976: O Rio é uma cidade ocupada...

“Invasão Corinthiana”

Nelson Rodrigues

Uma coisa é certa: não se improvisa uma vitória. Vocês entendem? Uma vitória tem que ser o lento trabalho das gerações. Até que, lá um dia, acontece a grande vitória. Ainda digo mais: já estava escrito há seis mil anos, que em um certo domingo, de 1976, teríamos um empate. Sim, quarenta dias antes do Paraíso estava decidida a batalha entre o Fluminense e o Corinthians.
Ninguém sabia, ninguém desconfiava. O jogo começou na véspera, quando a Fiel explodiu na cidade. Durante toda a madrugada, os fanáticos do timão faziam uma festa no Leme, em Copacabana, Leblon, Ipanema. E as bandeiras do Corinthians ventavam em procela. Ali, chegavam os corintianos, aos borbotões. Ônibus, aviação, carros particulares, táxis, a pé, a bicicleta.
A coisa era terrível. Nunca uma torcida invadiu outro estado, com tamanha euforia. Um turista que por aqui passasse, havia de anotar no seu caderninho: "O Rio é uma cidade ocupada". Os corintianos passavam a toda hora e em toda parte...
Dizem os idiotas da objetividade que torcida não ganha jogo. Pois ganha. Na véspera da partida, a Fiel estava fazendo força em favor do seu time. Durmo tarde e tive ocasião de testemunhar a vigília da Fiel.
Um amigo me perguntou: "E se o Corinthians perder?" O Fluminense era mais time. Portanto, estavam certos, e maravilhosamente certos os corintianos, quando faziam um prévio carnaval.
Esse carnaval não parou. De manhã, acordei num clima paulista. Nas ruas, as pessoas não entendiam e até se assustavam. Expliquei tudo a uma senhora, gorda e patusca. Expliquei-lhe que o Tricolor era no final do Brasileiro, o único carioca.
Não cabe aqui falar em técnico. O que influiu e decidiu o jogo foi a torcida. A torcida empurrou o time para o empate.
A torcida não parou de incitar. Vocês percebem? Houve um momento em que me senti estrangeiro na doce terra carioca.

NELSON RODRIGUES era fluminense e publicou este texto no GLOBO em 6/12/1976, dia seguinte ao Fluminense x Corinthians.




Há 35 anos, de 70 a 80 mil torcedores do Corinthians tomaram o rumo do Rio de Janeiro para assistir à semifinal do Campeonato Brasileiro de 1976. Estavam movidos por uma paixão. E essa massa de torcedores, em pleno Maracanã, ajudou a levar o time a uma sofrida vitória nos pênaltis contra um adversário que tinha o apelido de A Máquina, devido à quantidade de craques no elenco. Era o dia 5 de dezembro. Esse episódio ficou conhecido como a Invasão Corinthiana. Foi um dos maiores deslocamentos humanos da história, em tempos de paz.
Eu não fui ao Rio de Janeiro. Mas, no dia seguinte, por volta do meio-dia, parado no ponto da Praça Marechal Deodoro à espera do Penha-Lapa, vi ao longe o avançar de uma passeata. Reconheci as bandeiras. Era a torcida que havia retornado da viagem. Juntei-me ao grupo, segui o povo e não parei mais. O Corinthians já havia invadido o meu coração.

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