segunda-feira, 11 de julho de 2011

O Vinho no cinema – Sideways, entre umas e outras


Sideways – Entre Umas e Outras, dirigido pelo americano Alexander Payne, está no rol das comédias românticas. Por minha conta e risco, classifico-o como um raro “eno-cult-road-movie”, safra 2004, pois mistura um pouco de tudo. Uma espécie de “assemblage”, como diria um bom conhecedor de vinhos.
“Eno”, vinho em grego, é o pano de fundo para essa história, que se passa em meio aos vinhedos californianos (se bem que o termo poderia remeter àquele famoso sal de fruta, devido ao excesso de degustações dos personagens principais).
Um dos filmes preferidos por enólogos, enófilos e bons gourmets, recebe mais um rótulo: “Cult” - gênero que agrega grupos de fãs devotos, faça sucesso ou não, pouco importando a opinião da crítica especializada. A fama crescente decorre geralmente do sistema "de boca em boca". De email em email. De tuíte em tuíte. Do Orkut ao Facebook. Por pombos-correios. Em torno deste tipo de obra gravita uma legião de admiradores que conhece cada detalhe da produção, do enredo.
Além disso, é visto inúmeras vezes pelo admirador, sempre sujeito a permanentes releituras. “Blade Runner”, o caçador de andróides, é um dos maiores exemplos (qual o significado do unicórnio nos sonhos de Rick Deckard/Harrison Ford? Hein? Hein?). “Blade” teve uma audiência considerável. “Sideways” não. Alcançou fama apenas no País de origem, mas passou ao largo do circuito comercial do Brasil. Entretanto, aqui e acolá, tem os seus fãs de carteirinha: este que vos escreve e mais um monte de amantes de um bom vinho fino.
“Sideways” é também um “road-movie”, pois o personagem principal, Miles, põe o pé na estrada – não como caroneiro, como reza a cartilha de Jack Kerouac. Nem chega a ser um Sá, um Rodrix, um Guarabira ou um Guevara na arte de transitar por caminhos poeirentos. Ele se desloca com o próprio automóvel, com o objetivo principal de afogar as suas maiores mágoas do momento, explicitadas nesta ordem: (1) desilusão amorosa com a ex-esposa; (2) o fracasso editorial de um romance que escreveu; e (3) por estar se achando um lixo de pessoa.
O roteiro de Miles (Paul Giamatti) abrange uma das principais regiões vinícolas americanas, o Vale de Santa Inez, na Califórnia. Mal de grana, ele captura os trocados escondidos por sua mãe. Hospeda-se num hotel de terceira. Vai beber vinhos baratos.
Ele viaja na companhia do amigo Jack (Thomas Haden Church), que transforma a ocasião numa despedida de solteiro, pois o altar o espera na volta.  Péssimo apreciador de vinhos, Jack procura degustar o que mais lhe interessa nesta fase pré-núpcias: a garçonete liberal de uma cantina californiana. Mas ele tem como mérito principal ser uma espécie de inspirador para um filme de sucesso recente: “Se beber, não case”. E como bebe...
Pois bem. Miles é um fracasso como escritor, um fiasco como marido. Busca a própria redenção naquilo que entende bastante, a arte de degustar um bom vinho, mesmo que seja de preço acessível. Entre uma vinícola e outra, experimenta novos vinhos, novos sabores, novas relações sociais.
 Em certo momento do filme, ele expõe a sua preferência pela uva Pinot Noir, cuja mensagem, captada pelos sidemaníacos, fez aumentar as vendas desta casta em 20% nos Estados Unidos. Em outro trecho do filme, Miles faz a execração pública dos tintos merlot, cuja mensagem, também captada pelos fãs, derrubou as vendas deste varietal! Deu para entender agora o que é um filme “Cult”?
O mais curioso é que Miles guarda em casa, para um grande acontecimento, uma garrafa de vinho francês Château Cheval-Blanc, safra 1961, região de Bordeaux, feito com base nas uvas...merlot! Bem volúvel o nosso sommelier!
Mas, afinal, o que o motivará a abrir o raríssimo “Bordeux” quase no final do filme? Para saber, basta assisti-lo, ora. Lembra das garçonetes que eu citei mais acima? Não digo quem fica com quem, mas que elas mandam bem em termos de vinho...
Também sou sincero em afirmar que não deve ser fácil encontrar o DVD nas locadoras. Talvez os telecines da vida o reprisem um dia desses (ou vários dias desses, eh, eh).  Se tiver alguma habilidade na internet, tente baixar via torrent, antes que proíbam. Ou busque no camelô mais próximo de sua residência.
Se nada disso der resultado, e não for amigo de algum sidemaníaco, a única saída é criar o seu próprio roteiro, o Sideways 2: encarnar o espírito de Miles e viajar para o Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. Uma vinícola está grudada na outra. A degustação é livre. De taça em taça, você sorve na prática garrafas inteiras de vinho em questão de horas. Já fiz isso em viagem de turismo. Imagine o dia em que eu estiver na pior comigo mesmo, ou souber que quase ninguém leu esta crônica...

(Este texto foi escrito sob efeito de um Marcus James Tannat, produzido na Serra Gaúcha. Safra 2008. Barato e honesto. Não promete nada além do que oferece)

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