sábado, 30 de julho de 2011

Escuridão paulista

Pois é, governador, o que fazer com as suas crias, aquelas concebidas durante o processo de desestatização do setor energético paulista, já que elas não precisam dar tanta satisfação dos seus atos, como acontecia em tempos de estatização? Só lhe resta falar grosso, apresentar certa pirotecnia para impressionar os ouvintes. A Eletropaulo, distribuidora de energia, sentiu recentemente um pouco da sua aspereza, por conta da demora em restabelecer a energia após tempestades e temporais, como ocorreu recentemente.
A empresa recebeu multa pesada do Procon, de 26 milhões de reais, que não deverá pagar, pois entrará com recurso. E, por conta do pito do governador, ralhando com as malcriações feitas com o consumidor paulistano, teve que investir em propaganda e ações sociais para melhorar a sua imagem.  Feito isso, tudo voltou ao normal, como o rio que retorna ao leito em plena estiagem.
Já com a CTEEP, transmissora de energia, a mão da autoridade máxima no estado não tem sido tão pesada assim. E olha que, só em 2011, esta empresa colaborou para o caos com dois blecautes (ou apagões, como prefere dizer a imprensa tucana) – um no dia 8 de fevereiro e outro na quinta-feira, dia 28 de julho. Ambos na zona sul da Capital paulista. No primeiro apagão, que afetou 2,5 milhões, o governador determinou que CTEEP e Eletropaulo prestassem esclarecimentos ao Procon.
Sabe como é: o caçula quebra o vaso e o mais velho também tem que se explicar. Acontece nas melhores e nas piores famílias. Mas eu não soube nada sobre a aplicação de multas. Nem bolo de palmatórias ou ter que ajoelhar no milho.
Aliás, na época do primeiro blecaute, o secretário de energia disse algo sobre uma nova subestação, prometida pela CTEEP para abril de 2010, mas ainda não instalada. Já entrou em operação, secretário?
Ora, sejamos condescendentes com a transmissora. É uma empresa tão novinha! Nasceu em 1998, por decreto governamental. Se fosse gente, seria adolescente, protegida pelo ECA. E tem como nome de batismo uma sigla tão feia! Além disso, veio à luz no estilo “frankenstein”, formada com partes de uma empresa, partes de outra...foi tudo muito traumático – principalmente para os trabalhadores, catapultados para fora por alguns PDVs.
E que o leitor não esqueça que esta foi a última empresa privatizada no estado pelo próprio Alckmin, governador em 2006. Entregue aos cuidados da ISA, um grupo colombiano de energia.
Já a Eletropaulo tem 112 anos, passou por muitas transformações e transformou a cidade também. Algumas enchentes ocorrem até agora por causa dela. Sua origem está ligada ao capital canadense da antiga Light. Durante a ditadura, passou para o governo federal. No início dos anos 80 tornou-se estadual pelas mãos de Maluf; sobreviveu a Quércia mas foi esquartejada por Covas para posterior privatização das suas partes.
Hoje é controlada pela americana AES, com participação do governo federal, via BNDES. Tem o dedo da Dilma. Talvez isso ajude a explicar o porquê da fúria do governo paulista com aquela empresa anciã.
O fato é que as malcriações das energéticas tem efeito devastador na sociedade paulista. Os estragos são proporcionais ao ramo de atividade de cada uma delas. Para se ter idéia, se desligar um transformador de uma Subestação da Eletropaulo, o blecaute pode atingir dezenas de milhares de consumidores.
Mas, se cair um transformador de uma Subestação da CTEEP, o blecaute pode atingir milhões de pessoas, como ocorreu em 8 de fevereiro e na quinta-feira, dia 28 de julho...
E sabe por que tal discrepância? Porque há dezenas de subestações da Eletropaulo penduradas num único transformador da CTEEP. Calcule aí uma progressão geométrica. Se este último desliga, os outros tantos desligarão também. É o exemplo mais bem acabado do modelo energético adotado pelo PSDB paulista para privatizar o setor: a tal “desverticalização”.  O pano de fundo para o racionamento de energia em 2001, na era FHC. O modelo copiado da Inglaterra, com a grife “Tatcher”.
Antes dos Tucanos (AT), as empresas paulistas eram verticalizadas, ou seja, geravam, transmitiam e distribuíam energia elétrica. Tudo sob um único orçamento. Elas eram donas das suas hidrelétricas, linhas de transmissão, subestações, câmaras subterrâneas e postes de rua.
Na maioria dos outros estados, as energéticas eram basicamente distribuidoras, não houve necessidade de se desverticalizar (Minas Gerais e Paraná mantiveram suas empresas verticalizadas e sob controle estatal). O governo federal contribuía com Furnas e Itaipu, geradoras de energia e também transmissoras. O sistema era interligado, dividido em regiões. A produção de energia elétrica ia para uma grande "cesta" imaginária e era redistribuída de acordo com as necessidades locais. Como não havia agentes privados, a operação do sistema, também remunerada, era mais solidária, sem a pressão por lucros imediatos.
E o melhor: o governador de cada estado não precisava dar pitos públicos e ficar apenas nisso. Podia trocar diretores, refazer investimentos, ouvir a população, tratar a energia elétrica como um bem público...
Depois dos Tucanos (DT), a privatização paulista foi a mais radical entre todos os estados, graças ao porte das suas instalações. Cesp, essencialmente geradora e transmissora, e Eletropaulo, essencialmente distribuidora e transmissora, foram fatiadas por ramos de atividade. Surgiram 5 geradoras ( Cesp permaneceu estatal porque ninguém quis comprá-la até agora), 2 transmissoras (fundiram-se numa só e deveria permanecer estatal por lei, que foi derrubada) e 4 distribuidoras (uma delas manteve a razão social de Eletropaulo).
Todas foram vendidas na "bacia das almas", por um precinho camarada e com financiamento do BNDES. Os novos controladores também ganharam de presente um belo mercado nacional. Na nova interrelação entre eles, todos ganham. Quem paga é o consumidor. Energia mais cara e mais rara.
Em vez de investir na rede, os controladores remetem o lucro para suas matrizes no exterior. E, na última década, houve um rearranjo formidável no controle das empresas. Tecnicamente, o sistema permanece desverticalizado. Mas o capital verticalizou-se de novo. A AES, por exemplo, controla a distribuidora Eletropaulo e a geradora Tietê. Só falta uma transmissora para completar o time - por que não a CTEEP? Sua concessão termina em 2015...
Enquanto o sucateamento aumenta, somos obrigados a passar horas no escuro, a conviver com fiações aéreas de extremo mau-gosto, fugir de tampas de bueiro voadoras e a aceitar explicações rasas e confusas. Tudo por conta dos dividendos.
Ainda bem que temos um governador para falar duro com essa gente, que ele mesmo ajudou a criar, quando presidiu o Programa Estadual de Desestatização. Conhece bem o “idioma” vigente. No meio da tarde de sexta-feira, 29 de julho, Alckmin escalou o secretário José Aníbal para esbravejar. Afinal, o apagão do dia anterior prejudicou 3 milhões de pessoas, numa região em que houve aumento da demanda por energia nos últimos anos. Ele já disse que vai pedir à Aneel multa pesada à CTEEP. No primeiro apagão do ano, o pedido de multa foi rejeitado. Veremos agora.
Mas, dessa vez, o secretário Aníbal não falou nada a respeito da nova subestação, que deveria estar pronta em abril de 2010, para fazer frente à crescente demanda. Esse silêncio significa dizer que ela finalmente entrou em operação, secretário?

E o Carlos Tramontina, hein? O âncora mais apressado da TV brasileira. Aquele que confunde a parte com o todo. Lá pelos anos 1990, em plena era estatal, ele informou, indignado, que a Eletropaulo mantinha uma equipe de 130 jornalistas em sua assessoria de imprensa. Errou. Eram 130 funcionários da Superintendência de Comunicação, 10% de jornalistas.
Na quarta-feira, no SPTV, disse que o apagão era de responsabilidade da Eletropaulo. Errou de novo. A rede da distribuidora desligou porque não recebeu energia da CTEEP. O “pedágio”, dessa vez, falhou.


Bela imagem! Lá na Colômbia. (Banco de imagens da ISA, controladora da CTEEP)


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