sábado, 19 de abril de 2014

Wilker e a Caravana Rolidei

Sim, sim, Bye Bye Brasil é um nosso road movie, o melhor já feito por essas bandas. Filme de 1979/1980, fala das transformações do País em pleno ocaso da ditadura militar e do legado dos ditadores (nem tão explícito assim, afinal, coturnos ainda marchavam na época): a urbanização descontrolada, o abandono de gente simples à própria sorte, a devastação consentida das nossas matas, o entreguismo na exploração das nossas riquezas naturais, o início do consumismo desenfreado e o anúncio, bem disfarçado, do neoliberalismo que viria alguns anos depois.
E, claro, a influência exagerada da TV na vida das pessoas (enfia a antena no rabo, berra Lorde Cigano) e a americanização crescente dos nossos modos e costumes. Do nosso vocabulário, que ajuda a deixar mais chique a abertura de um texto ao se escrever “road movie”...
Se Bye, Bye Brasil fosse feito em Hollywood, certamente teria lugar de destaque em algum parque temático de Orlando. Como brinquedo radical. “Embarque na caravana Rolidei. Viaje por um País Tropical e sinta a aventura de encarar os solavancos nas estradas de terra de um dos lugares mais inóspitos do continente. Conheça o lugar exato de onde sai o mogno que enfeita a sala da sua casa. Dance ao som dos Bee Gees na discoteca Uma Transa Amazônica na margem do rio Xingu. Saia do Brasil e vá ao Brazil. Wow!”
Lorde Cigano, Salomé, Dasdô, Ciço e Andorinha são os desbravadores deste mundo novo, que cabe numa telinha de TV. Onde se começa a falar uma língua estranha, mas que não é necessário entendê-la. Cujos personagens são tão pitorescos quanto desnecessários no script traçado para nós, brasileiros, a partir da abertura lenta, gradual e segura.
Mas nem tudo é controlável, sempre arranjamos um bom jeitinho de improvisar, de dar um drible nos planos do roteirista. Talvez movidos pela saudade. Saudade do Chico Buarque; da boa música; de roça e sertão; das agitações políticas; das lutas históricas dos trabalhadores; e da época em que, bom mesmo, era ter um caminhão, meu amor...
Pois, nessa viagem imaginária, do final dos anos 70 até os dias de hoje, já estamos no Bye, Bye Brasil, Parte Quatro ou Cinco, por aí. A saga da Caravana Rolidei continua. Muita coisa tipicamente nossa já desapareceu. Ou se transformou. Assim, assim, como num passe de mágica do Lorde Cigano - pluft. A caravana tanto avançou que já deixou Altamira para trás (enfia a torre de transmissão de energia elétrica de Belo Monte no rabo, diria Cigano). Muita gente como a gente ficou pelo caminho. A última ficha caiu, para sempre. Também terminaram os créditos do último card, do derradeiro pré-pago e ninguém percebeu. Haja improvisação para enfrentar os novos paradigmas.
José Wilker é mais um grande representante de sua arte a desembarcar da caravana. Vai junto com ele o ator perfeito, comprometido com a profissão, capaz de dar personalidade a qualquer personagem, desde que haja uma boa história para contar. Mundinho, Vadinho, Tenório Cavalcanti, JK...
Com a sua morte, mais uma partezinha do Brasil deixa de existir. Assim como seus próprios personagens e seus criadores, muitos deles oriundos da boa literatura do passado. As boas histórias foram se perdendo pelo caminho, pularam da carroceria a cada freada brusca na estrada tortuosa da cultura brasileira e rolaram pela ribanceira. As nossas histórias....
(Antes dos créditos finais, a grande descoberta de Lorde Cigano: “Tu viu a novidade? O ipsilone no fim. Eu encontrei um gringo em Belém que me ensinou que Rolidey tem ipsilone. Porra, como a gente era ignorante, cara. Hehehe...”)
Fade out, fade out...


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